Capuchinho Vermelho desmistificada
CAPUCHINHO VERMELHO
A história da «Capuchinho Vermelho» [chapéuzinho na versão brasileira] é, seguramente, a que mais crianças ouviram por todo o mundo. Quem se esquece da menina bela e donzela que vai levar os bolos à avozinha no outro lado do bosque e que, apesar do melhor conselho materno, decide atravessar o bosque arriscando ser ludibriada por um lobo grande e mau?
Todavia, como seria de esperar se já leu as crónicas similares [Contra Factos] anteriores sobre a «Branca de Neve e os Sete Anões» ou sobre o «Flautista de Hamelin», esta não é de todo a história original. As histórias de fadas e de encantar transformam-se constantemente, ao longo dos tempos e das culturas. Como diria o antropólogo Jamie Tehrani, da Universidade de Durham:
«As histórias para crianças nunca foram feitas para crianças e explicar uma é o mesmo que explicar que os humanos e os chimpanzés partilham um ascendente comum, mas que deu duas espécies diferentes.»
Factos das origens da famosa capuchinho vermelho…
Um grupo de estudiosos britânicos decidiu criar uma espécie de linhagem evolutiva da «Capuchinho Vermelho» e, certamente, vai achar interessante saber que este estudo ao conto ajudou a entender as migrações humanas desde o primeiro século depois de Cristo. São 58 as histórias que partilham de similaridades e que, num sincretismo espantoso, evoluem para a história que hoje conhecemos. As principais diferenças entre estas histórias estão no género e número da protagonista, no final da história (que nem sempre é o mais adequado a uma história destas, como devem imaginar) ou no tipo de vilão.
As mais antigas histórias na genética do folklore da Capuchinho chamar-se-ia «O lobo e as crianças», contada pela Europa Central, ou «A Avó Tigre», disseminada pelo oriente longínquo chinês… há mais de 2000 anos!
O consenso de estudiosos determina as supracitadas histórias como as que dão a roupagem à «Capuchinho Vermelho» que, apenas 1500 anos depois, em território francês se torna próxima daquela que hoje conhecemos e, espantem-se, pelas piores das razões. Em 1600 e troca o passo o francês Charles Perrault publica a história pela primeira vez com um simbolismo intenso e altamente pornográfico.
A Conotação Sexual e a França libertina
Capuchinho Vermelho apresenta-se como uma parábola da maturidade sexual. Nesta interpretação, o manto vermelho simboliza deliberadamente o sangue do ciclo menstrual, enfrentando a “floresta escura” da feminilidade, ou mesmo representando a puberdade (com a avó ao fim do caminho simbolizando a idade avançada da mulher). Vejam a capa a simbolizar o hímen (versões anteriores do conto geralmente não afirmam que o manto é vermelho, mas que assim fica após o encontro com o lobo). Neste caso, o lobo ameaça a virgindade da menina (já que nestas versões do século XVII ele pede que ela tire a capa para se deitar consigo na cama). O lobo antropomórfico simboliza um homem, predador da inocência da donzela, que poderia ser um amante sedutor, um pedófilo (o que fica evidente na moral escrita por Perrault). Isso difere da explicação ritual em que a entrada na idade adulta é biológica, não socialmente determinada. Esta conotação sexual é muito forte, porém é velada nos antigos contos medievais.
Perrault vai pescar a história ao folklore e pinta-o como conto inocentemente erótico com uma roupagem nórdica dos ciclos naturais.
Em termos de mitos solares e outros ciclos de ocorrência natural, o capuz vermelho representa o sol avermelhado que é, em última análise engolido pela noite terrível (o lobo), altura que os nórdicos dariam como noite fecunda para procriar e nas variações em que ela é cortada da barriga do lobo representam o amanhecer, o nascimento. Nesta interpretação, há uma conexão entre o personagem Lobo Mau e Skoll, lobo do mito nórdico que vai engolir o Sol personificado em Ragnarök, ou Fenrir. Nesse mito nórdico o Deus Thor veste-se de mulher e é levado por Loki no lugar da deusa Fenrir, para enganar o grande lobo Skoll. O conto foi interpretado como um ritual de puberdade, decorrente de uma origem pré-histórica (certamente de uma era matriarcal anterior). A menina, sai de casa, entra numa liminar e passando pelo actos do conto, é transformada numa mulher adulta pelo acto de sair da barriga do lobo. Poderia, ainda, como um renascimento, adquirir uma visão mais cristã: A menina que insensatamente ouviu o lobo renasceu como uma nova pessoa ao ser salva da barriga dele; havendo aí um paralelo com a narrativa bíblica em que Jonas consegue ressurgir com vida de dentro da barriga de um Grande Peixe.
Esta versão de Perrault, ‘Le Petit Chaperon Rouge’, retirada do folclore francês foi inserida no livro Contos da Mãe Gansa. A história de Perrault retrata uma “moça jovem, atraente e bem educada”, que ao sair da sua aldeia é enganada pelo lobo astuto, que come a velha avó e arma uma armadilha para a menina que termina sendo devorada, sem final feliz. A versão foi escrita para a corte do rei Louis XIV, no final do século XVI, destinada a um público, que o rei entretinha com festas libertinas, extravagantes e muitas prostitutas, que pretendia levar uma moral às mulheres para perceberem os avanços de maus pretendentes e sedutores. Um coloquialismo comum da época era dizer que uma menina que perdeu a virgindade tinha “visto o lobo” [‘elle avoit vû le loup‘ = expressão equivalente à portuguesa ‘perder os três’]. Perrault conta, no final, que o lobo serve pedaços da avó cozinhados à capuchinho e, depois, convence a menina a despir-se por completo e a juntar-se a ele debaixo dos lençóis que, rapidamente, ficam vermelhos de sangue. ‘elle avoit vû le loup‘… FIM!
O autor explica a moral da história ao fim do conto nos seguintes termos:
«A partir desta história se aprende que as crianças, especialmente moças jovens, bonitas, corteses e bem-educadas, não se enganem em ouvir estranhos, E não é uma coisa inédita se o Lobo, desta forma,(arranjar) o seu jantar. Eu chamo Lobo, para todos os lobos que não são do mesmo tipo (do lobo da história), há um tipo com uma disposição receptiva – sem rosnado, sem ódio, sem raiva, mas dócil, prestativo e gentil, seguindo as empregadas jovens nas ruas, até mesmo em suas casas. Ai de quem não sabe que esses lobos gentis são de todas as criaturas como as mais perigosas a uma criança donzela!»
De novo os Irmãos Grimm?
Desta vez, os Grimm conseguiram melhorar a história e dar-lhe um final feliz e mais similar aos que hoje conhecemos. No século XIX, duas versões da história foram contadas a Jacob Grimm e seu irmão Wilhelm Grimm, a primeira por Jeanette Hassenpflug (1791-1860) e a segunda por Marie Hassenpflug (1788-1856). Os irmãos registam a primeira versão para o corpo principal da história e a segunda numa sequência do mesmo. A história com o título de Rotkäppchen foi incluída na primeira edição de sua colecção Kinder-und Hausmärchen (Contos Infantis Domésticos – 1812). Perrault é quase certamente a fonte do primeiro conto. No entanto, eles modificam o final, cristianizando-o por assim dizer, introduzindo o caçador que abre a barriga do lobo e tira a menina e a sua avó, colocando pedras no lugar. A segunda parte conta como a menina e sua avó prendem e matam um outro lobo, desta vez antecipando os seus movimentos baseados na sua experiência anterior. A menina não deixou o caminho quando o lobo falou com ela, a sua avó trancou a porta para mantê-lo fora, e quando o lobo se escondia, a avó manda a Capuchinho colocar no fogo da lareira uma panela com água a ferver. (certamente vos lembra algo, não?)
Os irmãos revisitaram a história em edições posteriores até alcançar a versão final, semelhante à de hoje em dia, e publicá-la na Edição de 1857 do seu trabalho.
Que factos estarão por trás da história?
Na realidade, ao contrário das crónicas anteriores sobre a «Branca de Neve e os Sete Anões» ou sobre o «Flautista de Hamelin», esta é demasiado antiga para se encontrarem registos que confirmem a origem fidedignamente. Porém, o mais certo é ser uma compilação e mistura sincrética de histórias que recebem roupagem da mitologia nórdica como já citei acima. É juntando as peças de um puzzle que se aprende!
Há factos que as pessoas desconhecem ou preferem ignorar e, normalmente, são estes que servem de inspiração para as histórias aparentemente inofensivas que contamos aos nossos filhos. Nada contra criar uma parábola que de alguma forma avise as meninas dos seus ciclos menstruais, nada contra o alerta anti-pedofilia e predação sexual e, de facto, a simbologia é rebuscada e fantasticamente alinhavada… como pai de uma menina, um dia explicar-lhe-ei algumas coisas usando a história que ela tão bem conhece da Capuchinho Vermelho.
Tudo o que a possa proteger é ainda pouco!
Até ao próximo artigo e não se esqueça de partilhar e comentar. Quem discute e partilha conhecimento faz um serviço louvável de crescimento social!
Mas não acredite em nada que leu…
Investigue!
[CONTRA FACTOS…]
Uma rubrica escrita em tom de crónica mordaz baseada em factos que pretendem oferecer uma visão mais realista sobre a verdade das coisas. Na era da informação a ignorância é uma escolha!