Flautista de Hamelin desmistificado

FLAUTISTA DE HAMELIN

O Flautista de Hamelin é, de certa forma, mais um dos contos infantis que se enraizou no imaginário de cada um de nós. Contudo, esta história aborda acima de tudo um mistério medieval de horror, mais do que um conto de encantar.

‘O Flautista de Hamelin’ não é, nem de perto nem de longe, um conto de fadas tão conhecido como aquele que anteriormente vos trouxe. A história ‘Branca de Neve e os Sete Anões’ cravou uma marca profunda graças à Disney, por seu lado ‘O Flautista de Hamelin’ é uma história que se encontra menos divulgada, excepto em livros e na expressão oral.

Mas está a ver a que conto me refiro? Aquele do senhor que com uma flauta salva uma cidade de uma peste de ratos e depois, por não ser pago, decide raptar as crianças dessa cidade. Pois… se nasceu depois de 1990 e os paizinhos não lhe liam histórias este pode ser um conto que pouco conhece, de facto.
Se em séries televisivas este conto já teve várias adaptações antes de 1990, o grande ecrã relegou sempre o flautista para segundo plano. Podemos encontrar os desenhos animados Tom&Jerry (da Metro-Goldwyn-Meyer) fazer alusão a este personagem mais do que uma vez e, em 2010, no filme Shrek para Sempre, o Flautista de Hamelin aparece como um personagem contratado pelo vilão principal da trama para se ver livre de ogres.

Baseada em FACTOS reais?!

‘O Flautista de Hamelin’ é o nome português dado ao conto Rattenfänger von Hameln, ou Pied Piper of Hamelin, mencionado pela primeira vez nos escritos e poesias de Johann Wolfgang von Goethe e, mais tarde, colhido, explorado e publicado pelas mãos e obras dos irmãos Grimm (à semelhança do que vimos com a crónica anterior de ‘A Branca de Neve e os Sete Anões).

Assim, este é mais um conto do folklore europeu que narra um momento de horror incomum que teve, alegadamente, lugar na cidade de Hamelin, na Alemanha, em 26 de Junho de 1284.
Para quem não está familiarizado com história, a cidade estava, nessa data (havendo provas documentais de efeito) a atravessar uma complicada e avassaladora infestação de ratos. Uma estranha figura, que segurava uma flauta de pan (noutras versões uma flauta transversal) e vestia cores garridas e brilhantes, apareceu no centro da aldeia. Retirando o seu chapéu multicolor de três bicos (noutras versões um barrete comprido com um sino na ponta) prometeu ao povo que os livraria daquela praga, se concordassem em lhe pagar 1000 guilders (moeda de então). A soma era avultada, mas o povo em desespero pediu ao governador que aceitasse o negócio.
Quando o contracto foi assinado pelas partes, o flautista iniciou uma música e caminhou lentamente pelas principais ruas de Hamelin em direcção ao rio Weser. De forma quase mágica todos os ratos abandonaram os seus esconderijos e seguiram o flautista. Eram centenas de milhares, uma mancha de ratos que espestava a cidade que em breve se afogariam irremediavelmente no rio para gáudio da população.

Os irmãos Grimm descrevem o sorriso do flautista como sendo incómodo e até maligno enquanto observava os ratos a morrerem à sua volta, com a água a dar-lhe pela cintura. Ao contrário do que a história hoje veicula, o governador juntou o dinheiro para o pagamento, mas depois achou que tanto dinheiro ficaria melhor nos seus próprios cofres do que entregue a quem tinha direito, pelo préstimo contratado, à soma. Era um humano da mais alta humanidade, não?

O povo de Hamelin não tinha cumprido o contracto e o flautista demonstrou que estava furioso, de tal forma que as suas roupas mudaram de cor para um cinzento acastanhado perturbador. O flautista deixou a cidade e prometeu que voltaria com uma vingança que nunca mais ninguém se esqueceria.

No dia 26 de Julho de 1284, o flautista reaparece no centro da cidade. Sabe-se a data pelos registos locais e pelo folklore já que esta data era a altura de uma festividade religiosa dedicada a São Paulo e São João, martirizados em Roma. Enquanto os adultos assistiam à missa da festividade o flautista, desta vez completamente vestido de verde, tocou novamente pelas ruas da cidade. A música e a magia levou a que todas as crianças da aldeia (registaram-se 130) o seguissem para fora da cidade e subissem a montanha para não mais serem vistas novamente. De acordo com a história apenas 3 crianças se mantiveram na aldeia: uma porque era preguiçosa e acabou por se atrasar e perder o grupo, outra por ser surda e uma terceira porque a sua cegueira a impedira de encontrar o caminho até ao grupo.

Foram estas três crianças que avisaram os adultos logo que os conseguiram contactar, na igreja local. De acordo com a história, o flautista levou as crianças ‘raptadas’ para o topo da montanha Koppelberg, onde abriu uma espécie de porta luminosa e os levou para um lugar belo e com melhores valores morais.

Já a versão dos irmão Grimm, termina com o flautista a esconder as crianças numa caverna profunda da montanha, apenas para que sobrevivessem à matança que ele mesmo pretendia efectuar na cidade de Hamelin. É certo que algumas versões americanizadas dos dias de hoje contam que o flautista devolveu as crianças quando a cidade pagou três vezes o valor do primeiro contracto. Esperemos é que, com as novas tendências americanas, a história não se transforme numa razão para se atacar a Transilvânia com a intervenção ‘justificada’ da Força Delta.

Que mais factos há nesta história?

A primeira referência ou registo real a esta história é, naturalmente, na cidade de Hamelin através de vitrais criados para adornar a igreja, montados a chegar ao ano de 1300. Estes vitrais eram acompanhados dos registos, em códice, dos monges e padres locais que contavam o sucedido em 1284. Embora os vitrais originais tenham sido destruídos em 1660, os registos subsistem até aos dias de hoje, em especial nos manuscritos de Lueneburg.

«No ano da graça de nosso senhor de 1284, no dia de S.João e S.Paulo, um flautista de muitas cores vestido, levou 130 crianças nascidas em Hamelin seduzindo-as até à sua morte em Koppen.»

A suposta rua onde as crianças foram vistas pela última vez é hoje chamada de Bungelosenstrasse [rua sem tambores] e é, ainda, proibido que qualquer música seja ali tocada ou que qualquer dança seja ali dançada. Curiosamente, há também registos que durante séculos nenhum rato voltou à cidade, havendo até menção da surpresa de se verem ratos no final do século XVI.

Eis onde tudo se complica ainda mais…

Se Goethe e os irmãos Grimm contam os detalhes do contracto de controlo da peste de ratos, nenhum dos escritos mais antigos menciona sequer esta importante parte da história, sendo que apenas a questão das crianças é mencionada e descrita, com bastante pormenor.
Qual seria, então, a verdadeira razão para este acto que podemos dizer ‘histórico’ do desaparecimento de crianças?
Vingança é a ideia consensual, porém há muitas teorias que tentam explicar o que realmente aconteceu às crianças de Hamelin… porque é um facto documentado em várias fontes.

Uma das teorias sugere que as crianças morreram de alguma doença e que o personagem do flautista aparece para dourar o papel personificado da morte. Claro que, se ligarmos morte e ratos podemos supor que se tratava da tentativa de esconder um surto de Peste Negra, porém esta teoria perde intensidade quando sabemos que este flagelo apenas atingiu a Europa a partir de 1348.
Outra teoria sugere que as crianças foram renegadas pela própria cidade numa espécie de histeria religiosa (que não seria única na história europeia). Este género de actos incompreensíveis ficaram conhecidos na História como as ‘Cruzadas Infantis’, onde algumas cidades expulsavam todas as crianças à sua sorte em nome e honra de Deus, numa cruzada contra os demónios negros, ou djinns, ‘que vinham de cima’ e exigiam a prole da cidade em troca de misericórdia sobre o reino.
Uma outra teoria fala da existência de um grupo ‘pagão’ que se revoltou contra a expansão invasora da cristandade pelo território europeu. Estes alegados heréticos escondiam-se nas florestas de Coppenbrügge (as tais montanhas de Koppen dos poemas e registos) e persuadiam as crianças cristãs a abandonar a aldeia apresentando-lhes uma visão mais liberta da vida (libertina na visão cristã) e que, por acção de uma resposta cristã terá acabado mesmo muito mal com a morte das 130 crianças. Esta teoria é bastante detalhada na obra Totentanz or Danse Macabre, baseado num testemunho escrito em latin de uma testemunha que se disse presente e ocular chamada Decan Lude de Hamelin.

Há factos que as pessoas desconhecem ou preferem ignorar e, normalmente, são estes que servem de inspiração para as histórias aparentemente inofensivas que contamos aos nossos filhos. Se o flautista era uma espécie de papão para as criancinhas comerem a sopa ao longo das eras isso não invalida que não existem registos históricos concretos que comprovam a sua veracidade, mesmo que inexplicável.
Quanto do que dizemos pouco mais é do que um rebuscado ‘quem conta um conto, acrescenta um ponto’?

Por hoje ficamo-nos com esta música de morte que se transformou hoje em propaganda de guerra fria e que, infelizmente, tem nas nossas crianças um olho predador.

Até ao próximo artigo e não se esqueça de partilhar e comentar.

Mas não acredite em nada que leu…
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[CONTRA FACTOS…]

Uma rubrica escrita em tom de crónica mordaz baseada em factos que pretendem oferecer uma visão mais realista sobre a verdade das coisas. Na era da informação a ignorância é uma escolha!

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