O que é o Talmud?
O Talmud é uma compilação, que data de 499 dC, de leis e tradições judaicas, consistindo em 63 (sessenta e três) tratados de assuntos legais, éticos e históricos. O Judaísmo ortodoxo e o conservador baseiam suas leis geralmente nas decisões encontradas no Talmud. O Talmud é uma pormenorização e comentário das tradições judaicas a partir das leis compiladas por Moisés na Torá (Torah), em geral, e na Mishná no detalhe.
O Mishná foi redigido pelos mestres chamados Tannaím ou Tanaítas, termo que deriva da palavra hebraica que significa ensinar ou transmitir (uma tradição). Os Tanaítas viveram entre o século I e o III dC. A primeira codificação é atribuída a Rabi Akivá (50?130), e uma segunda, a Rabi Meír (entre 130 e 160 dC).
O que é o Talmud?
Não é fácil definir ou caracterizar, breve e concisamente, o Talmud. É um tema que escapa à definição pela grande variedade de seu conteúdo e, sobretudo, porque não existe outra obra com a qual estabelecer termo de comparação.
O Talmud, tão atacado, tão discutido e tão menosprezado, é pouco – para não dizer nada – conhecido. A maioria dos que dele se ocuparam, apenas repararam e insistiram em seus defeitos; no entretanto, fora do Judaísmo, são contados os que penetraram no oceano dos seus livros com a honrada intenção de encontrar as pérolas, de aproveitar o que tem de bom e de útil, sem deter seus pensamentos no que, à primeira vista, poderia parecer inútil.
Quando, em 1304, o papa Clemente V quis saber o que era o Talmud, muito embora já houvesse sido objecto de polémicas religiosas – essas polémicas quase sempre são estéreis – e de numerosos ataques, ninguém foi capaz de responder à sua pergunta: ninguém sabia fazê-lo. E apesar das cátedras que fundou, o Talmud, as belezas do Talmud, continuaram sendo desconhecidas. Um só exemplo, porém significativo.
Poder-se-ia alegar que isto ocorria na Idade Média, época em que um religioso chegou a crer que o Talmud era um nome próprio e dizia: “ut narrar rabinus Talmud” (*); mas, mesmo na Idade Moderna são pouquíssimos – entre eles não se pode deixar esquecido o nome de Reuchlin – os que chegaram não a resolver, porém apenas a delinear o problema nos seus justos limites. Em pleno século XX, um teólogo permitiu-se dar grandes gargalhadas porque um tratado inteiro fora dedicado aos ovos, ignorando por completo que é comum no Judaísmo designar-se uma obra por suas palavras iniciais. E ainda hoje muitos mencionam o Talmud – e exactamente o mesmo se pode dizer em relação à Cabala – como algo obscuro e . . . absurdo, um dos muitos tópicos paradoxais que abundam na cultura actual.
(*) O historiador francês Bossuet pediu certa vez ao filósofo alemão Leibniz que lhe enviasse um livro do Talmud, traduzido por “Monsieur Mishná” . . . (N. T.)O Talmud não somente alimenta a alma e o espírito, mas também atiça a imaginação; embora não seja uma obra de arte, contém muitas obras de arte. É bem verdade que figuram nele coisas úteis e inúteis, de grande valor ou puramente anedóticas; mas daí a que seja um absurdo, existe um grande abismo que é preciso – e a isto nos propomos – vencer.
É evidente que não se pode julgar o Talmud com o mesmo padrão que se emprega para medir as demais obras literárias. São necessários critérios especiais, pois o Talmud não é somente literatura, mas sim a vida inteira do Judaísmo vertida numa obra.
Se uma catástrofe semelhante à que sofreram Pompeia e Herculano houvesse petrificado seis ou dez séculos da vida judaica, o resultado seria – e é – o Talmud. Precisamente por isso pode-se dizer que é obra de toda a nação judaica, realizada no decorrer do referido período. E esse feito, a realização prolongada no tempo, explica perfeitamente a grande variedade de temas que nele reina. Trata-se de uma vasta enciclopédia, muito desordenada, na qual existe de tudo, porém sem sistema. No Talmud é difícil encontrar o dado concreto, a menos que seja de matéria legal – porque esta matéria tem ainda hoje validez no Judaísmo – em cujo caso umas chaves-índice, as codificações que mais adiante citaremos, são auxiliares indispensáveis.
Se à desordem com que as matérias estão distribuídas na “Enciclopédia” se acrescenta o facto de que os autores, cujo número se aproxima de dois milhares, pertencem a diversas épocas e regiões geográficas, a muito variadas escalas sociais e formações, desde o ignorante ao sábio, portanto de desigual autoridade, sustentando às vezes teorias muito díspares, inclusive contraditórias, expostas seja em ordem directa umas às outras, seja em páginas muito distantes entre si, – explica-se que junto a ideias sublimes se encontrem opiniões ou ditos vulgares; que junto a moral elevada venham citadas superstições populares, que junto à regra médica, lógica e perfeitamente regulamentada, apareçam remédios de curandeiro. Eis aí uma enciclopédia caótica.
O Talmud foi amiúde criticado de que ao associar assuntos tão diversos, a mente vê-se incapaz de separar o subtil do vulgar, o externo do espiritual; mas mesmo que assim seja, o ulterior desenvolvimento da história judaica demonstrou a carência de base de tal conceito. O Talmud nunca foi considerado um código fechado, porém muito mais um apanhado das diversas interpretações das leis bíblicas e tradicionais, um relato verídico das variadas opiniões rabínicas acerca das experiências humanas em relação com a sociedade, com Israel, com Deus e com o reino divino.
No Talmud, podem distinguir-se duas partes, ou melhor dito: duas obras separadas que se encontram numa só edição. Estas duas obras são: a Mishná e a Guemará; a primeira – única, a segunda – dupla.
O Talmud no Judaísmo
Mas, antes de nos aprofundarmos neste estudo, é conveniente indicar, qual tem sido a utilidade, a significação do Talmud para o Judaísmo.
O Talmud recolhe, ou melhor, contém, entre outras coisas, a doutrina tradicional do Judaísmo. É, portanto, o paralelo do que, no Cristianismo, representa a obra dos Santos Padres e, no Islamismo, a Suna.
Durante a Idade Média, o Talmud alcançou para os judeus tal importância que quase pode-se dizer que relegou para segundo plano a Bíblia. A extraordinária variedade do seu conteúdo pode explicar-nos, em parte, essa anomalia, à primeira vista absurda. É que no Talmud qualquer pessoa pode encontrar temas que lhe interessem, desde a teologia propriamente dita, passando pelas diversas disciplinas, até a fábula e, inclusive, a anedota.
O Talmud salvou o judeu da ignorância e, ao mesmo tempo, iniciou-o nas ciências profanas, especulativas ou práticas. Proporcionou ao judeu a dialética e a profundidade de espírito que o salvaram do aniquilamento que sofreram outros povos e permitiu que sobrevivesse em ambientes hostis, entre perseguições e ataques sem número. Foi o educador do povo, o que evitou que caísse em vilania e permitiu que conservasse costumes puros; e ainda mais: o que manteve intacta a unidade do Judaísmo.
O seu estudo diário, iniciado em tenra idade, submete o judeu a uma forte ginástica, graças à qual seu entendimento se aguça, o pensamento acostuma-se à lógica, a inteligência se desenvolve em profundidade.
O que é o judeu, o que será, – ele o deve em grande parte ao Talmud ou, melhor ainda, ao espírito que o produziu. Enquanto existirem judeus e Judaísmo, o Talmud prosseguirá tendo o seu valor porque estruturou e definiu a vida e o caráter do Judaísmo.