Papisa Joana, a lenda incómoda [c/ Video]

A lenda da Papisa Joana é, das histórias que incomodam o Vaticano, uma das que mais intriga historiadores e crentes. Há quem defenda que apenas se trata de uma lenda e há quem ateste que se trata da mais pura verdade.

Na era da informação a ignorância é uma escolha e para aqueles que pretendem saber mais decidi presentear-vos com este pequeno artigo elucidativo que acompanha o vídeo exclusivo do nosso Canal Portugal Místico, que pertence a uma grande série sobre os pontificados ao longo dos séculos.

O problema e argumento principal para quem defende que é uma lenda é a falta de registos sobre a Papisa em documentos da época. No entanto, os defensores de que se trata de uma história verdadeira consideram que o poder da Igreja naquela altura explica a falta de registos sobre a Papisa, uma vez que o Vaticano nunca iria permitir a divulgação de documentos que confirmassem a ascensão de uma mulher ao trono de São Pedro.

A história original relata que tudo começou no final do Século IX, mas os mais renomados historiadores afirmam que Joana foi Papisa na época da confusão da Diocese de Roma; o ano não se sabe ao certo, porque todos os relatos públicos fora da biblioteca do Vaticano foram queimados e ninguém tem acesso aos da Santa Sé, no entanto presume-se que tenha sido entre o ano 850 e 1100.

No livro A Papisa da romancista norte-americana Donna Woolfolk Cross, um dos livros mais vendidos sobre o assunto, a Papisa teria nascido em Constantinopla e fez-se passar por homem para fugir das perseguições impostas pela própria igreja em relação ao acesso à educação pelas mulheres; o romance descreve uma mulher extremamente culta com um elevado grau de entendimento em filosofia e teologia. Ela terá ido para Roma e ter-se-á apresentado como monge convencendo os restantes membros da igreja com a sua sabedoria. Com a morte de Leão IV assumiu o Trono de Pedro com o nome de Leão VII. Teria sido descoberta, quando acometida pelas dores do parto, deu há luz em plena procissão uma criança fruto de um caso com um dos guardas. A população terá reagido com sua indignação, apedrejando-a.

Há ainda quem defenda que o mito pode ter surgido em Constantinopla, devido ao ódio da Igreja Ortodoxa à Igreja Católica ou que, no século XIII, o papado tinha um grande número de inimigos, especialmente entre a Ordem dos Franciscanos ou a dos Dominicanos, que descontentes com as diversas restrições a que eram submetidas, teriam espalhado o boato. Em ambos os casos o objectivo seria desmoralizar a igreja através do boato que esta seria dirigida por uma mulher e desmoralizando-a devido à intensa misoginia característica da Igreja medieval.

No seu libelo, o padre Labbé acusava João Hus, Jerónimo de Praga, Wiclef, Lutero e Calvino de serem inventores da história da papisa. Porém, provou-se-lhe que, tendo Joana subido à Santa Sé aproximadamente seis séculos antes da aparição do primeiro desses homens ilustres, era impossível que eles tivessem imaginado essa fábula em conjunto. De qualquer forma, Mariano Escoto, que escreveu sobre a vida da papisa com imenso detalhe, mais de cinquenta anos antes deles, não poderia tê-la copiado de suas obras.
A História, cujas vistas morais se elevam acima dos interesses das seitas religiosas, deve pois ocupar-se em fazer triunfar a verdade sem se inquietar com as cóleras sacerdotais. Assim, a existência de Joana não deve ferir de modo algum a dignidade da Santa Sé, pois ela, no decurso do seu reinado, não imitou as astúcias, as traições e as crueldades dos pontífices desse século.

Mais de um século antes de Mariano escrever os manuscritos que deixou a abadia de Fulde, diferentes autores tinham já narrado muitas versões sobre o pontificado da papisa. Porém, foi este sábio religioso que esclareceu todas as dúvidas e suas crónicas foram aceitas como autênticas pelos eruditos conscienciosos, que estabelecem as verdades históricas sobre os testemunhos de homens cuja probidade e luzes são incontestáveis. E com efeito, toda a gente concorda em reconhecer que Mariano era um escritor judicioso, imparcial e verídico; a sua reputação está tão bem estabelecida que a Inglaterra, a Escócia e a Alemanha reivindicam a honra de serem sua pátria. Além disso, o seu carácter de sacerdote e a dedicação que mostrou sempre pela Santa Sé não permitem que se suspeite de parcialidade contra a igreja católica.

Verdade ou mito, não podemos deixar de notar a preocupação da Igreja Católica em negar a existência desta mulher enquanto papisa. Uma das mais interessantes façanhas da vivência de Joana é um decreto publicado pela corte de Roma, proibindo que se colocasse Joana no catálogo dos papas, decreto que ainda hoje está em vigor.

Pedaços da Lenda

Logo que chegou à cidade santa, Joana disfarçada de homem, fez-se admitir na academia a que chamavam escola dos gregos para ensinar as sete artes liberais e, particularmente, a retórica. Santo Agostinho tornara já muito ilustre aquela escola e Joana aumentou-lhe a reputação. Não somente continuou os seus cursos ordinários como também introduziu outros de ciências abstractas que duravam três anos, onde um imenso auditório admirava o seu prodigioso saber. As suas lições, os seus discursos e mesmo os seus improvisos eram feitos com uma eloquência tão arrebatadora que o jovem professor era citado como o mais belo génio do século, e que, na sua admiração, os romanos lhe conferiam o título de príncipe dos sábios.
Os senhores, os padres, os monges e sobretudo os doutores honravam-se de serem seus discípulos. “O seu procedimento era tão recomendável como os seus talentos; a modéstia dos seus discursos e das suas maneiras, a regularidade dos seus costumes e sua piedade, como diz Mariano,  brilhavam como uma luz aos olhos dos homens. Todos estes exteriores eram uma máscara hipócrita sob a qual Joana ocultava projectos ambiciosos e culpados. Por isso, no tempo em que a saúde vacilante de Leão IV permitia aos padres forjarem intrigas e cabalas, um partido poderoso se declarou por ela e publicou altamente pelas ruas da cidade que só ela, que era ele, era digna de ocupar o trono de S. Pedro.”

Joana foi elevada à suprema dignidade da Igreja e exerceu a autoridade infalível de vigário de Jesus Cristo com tão grande sabedoria que se tornou a admiração de toda a cristandade. Conferiu ordens sagradas aos prelados, aos padres e aos diáconos; consagrou altares e basílicas; administrou os sacramentos aos fiéis; permitiu aos arcebispos, abades e príncipes que beijassem seus pés; e, finalmente, desempenhou com honra todos os deveres dos pontífices. Compôs prefácios de missas e grande número de cânones, os quais foram interditos pelos seus sucessores. Além disso, dirigiu com grande habilidade os negócios políticos da corte de Roma e foi por conselhos seus que o imperador Lotário, já muito velho, decidiu-se a abraçar a vida monástica e retirou-se para a abadia de Prum a fim de fazer penitência dos crimes com que manchou a sua longa carreira. Em favor do novo monge, a papisa concedeu à sua abadia o privilégio de uma prescrição de cem anos, cujo ato é mencionado na colecção de Graciano. O império passou em seguida para Luís II, que recebeu a coroa imperial das mãos de Joana.

Sobre o seu amante, que é dito ter falecido de praga de forma violenta, sabe-se pouco. Alguns autores pretendem que ele era camareiro; outros asseveram que era conselheiro ou capelão; o maior número afirma que era cardeal de uma igreja de Roma. Todavia, o mistério dos seus amores permaneceria coberto por um véu impenetrável sem a catástrofe terrível que pôs termo às suas noites de voluptuosidade. A natureza zombava de todas as previsões dos dois amantes: Joana estava grávida!

Na época das Rogações, que correspondia à festa anual que os romanos chamavam Ambarralia, onde havia uma procissão solene, a papisa, segundo o uso estabelecido, montou a cavalo e dirigiu-se à igreja de São Pedro. A papisa, revestida com os ornamentos pontificais, saiu da catedral e dirigiu se à basílica de São João de Latrão com um pomposo séquito que a precedia pela cruz e pelas bandeiras sagradas, e seguida pelos metropolitanos, bispos, cardeais, padres, diáconos, senhores, magistrados e por uma grande multidão do povo.
Tendo chegado à praça pública entre a basílica de São Clemente e o anfiteatro de Domiciano, chamado Coliseu, assaltaram na as dores do parto com tal violência que caiu do cavalo. A infeliz retorcia-se pelo chão com gemidos horríveis, até que, conseguindo rasgar os ornamentos sagrados que a cobriam, no meio de convulsões tremendas e na presença de uma grande multidão, a papisa Joana deu a luz uma criança!

A mulher na Igreja Católica

A história em torno da Papisa Joana é um exemplo ilustrativo do papel das mulheres na Igreja Católica, e que atravessa séculos de misoginia e descriminação no acesso aos cargos da organização.

Mas o calvário das mulheres na igreja começa muito antes desta lenda. Começa quando as ordens eclesiásticas defenderam que a mulher era filha e herdeira de Eva, a fonte do pecado original e instrumento do Diabo, mostrando-a como inferior, e desprovida de inteligência, deixando-se enganar por uma serpente e enganando Adão, fazendo-o perder o paraíso, e seduzindo-o. Esta visão passou a fazer parte dos artigos teológicos da época, sem a mínima contestação, passando-se a ver na mulher um carácter maléfico e promíscuo, que precisava de ser disciplinado. Surge então a Lei canónica, que permitia que a mulher fosse agredida e espancada em qualquer classe social.

Foi proibido à mulher ocupar ou desempenhar cargos públicos e a Lei Secular determinava que as mulheres eram “frívolas por natureza, ardilosas, perspicazes, apegadas ao material (avarentas) e de pouquíssima ou quase nenhuma inteligência”. A Lei eclesiástica de forma abrangente, mas não menos diminutiva, deixava claro o motivo, a razão e circunstância pelas quais as mulheres não podiam ocupar cargos públicos: “as mulheres não foram feitas para esse tipo de serviço, mais sim, para as ocupações femininas e domésticas”.

Assim sendo o casamento era o destino, que acontecia com ou sem amor, acordados entre as famílias sem que elas tivessem uma palavra a dizer, apenas teriam obrigação de serem companheiras, fieis, amigas, excelentes donas de casa e mães.

O drama sofrido pelas mulheres prolongou-se até finais do séc. XVIII e início do séc. XX, quando de forma mínima, as mulheres passaram a reivindicar os seus direitos em busca da emancipação feminina. No entanto, a igreja permanece fechada á emancipação feminina e á alteração do papel das mulheres no seio da igreja.

E é esta a igreja dita Católica, que significa universal!

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